O estilo Salvator dos monges.
Origem:
Alemanha
Data:
Século XIV
A Alemanha representa a primeira Escola Cervejeira e é o berço de cervejas históricas, ou seja, isso explica muita coisa sobre a tradição das brejas alemãs, inclusive a história da cerveja Bock.
Ela surgiu em meados do século 14, no norte da Alemanha, mais especificamente em Einbeck, na Baixa Saxônia, cidade essa que fazia parte da Liga Hanseática (aliança de cidades mercantis alemãs ou que possuíam influência alemã, onde havia um monopólio comercial sobre praticamente todo o norte da Europa).
Na Idade Média, a cidade de Einbeck ficou famosa por produzir e exportar uma cerveja extremamente potente, muito cobiçada e buscada pela galera que fazia parte das rotas comerciais da Liga Hanseática, como Rússia, Suécia, Dinamarca, França, Inglaterra, Mediterrâneo e o restante do Sacro Império Romano-Germânico.
A cerveja do norte alemão existe há mais de 600 anos, tendo seu primeiro relato em abril de 1378. Nessa data, os cervejeiros de Einbeck transportaram para a cidade de Celle (Alemanha) dois barris com a descrição “Einbecker” e esses recibos são considerados como os registros mais antigos dessa breja.
Ciumeira danada
A Bock possuía um controle de qualidade excelente, parâmetros esses que foram estabelecidos pelo conselho da cidade. Bom, e como nem tudo são flores, alguma coisa não tão legal nessa história iria acontecer.
Pois bem, os bávaros (povo da região mais ao sul) ficaram enciumados ao perceber que a cerveja do norte estava fazendo muito sucesso e eles ainda não haviam se estabelecido como grandes cervejeiros. Para amenizar a “humilhação”, em 1540 o Duque Ludwig X, da Baviera, trouxe um mestre-cervejeiro do norte para poder recriar a receita da tão famosa Bock, a qual era conhecida no dialeto bávaro como Ainpöckish Biere ou Oanbock.
Mais tarde, em 1612, o Duque Maximiliano I convenceu o principal mestre-cervejeiro de Einbeck, Elias Pichler, a visitar Munique. O nobre tinha a intenção, na verdade, de conseguir a verdadeira receita da cerveja do Norte.
E assim o duque reteve o cervejeiro para que fabricasse a autêntica cerveja Bock em suas terras. Felizmente, ou infelizmente, a estratégia deu certo, porque dois anos depois a cervejaria real de Munique, a Hofbräuhaus, estava produzindo uma das melhores Bocks.
Paradoxo cervejeiro
Quando o assunto é a história do nome do estilo há sempre o que “contestar” ou “admirar”. A palavra Bock significa “bode” em alemão e, mesmo sem registro de ter relação com a cerveja, acabou se tornando o mascote informal da categoria.
Você pode encontrar referências ao animal em diversos rótulos. Em alguns ele recebe uma representação mais simplista, mas em outros aparece mais sofisticado e estilizado, inclusive como se estivesse vestido para uma festa daquelas!
Por outro lado, os primeiros experimentos de Bock saíram das cabeças, mãos e copos de monges católicos, geralmente conservadores e extremamente religiosos. Ou seja, entramos em um paradoxo bem intrigante, afinal, o bode sempre teve uma imagem satânica.
O estilo Bock é uma Lager, e nesse momento você deve estar pensando: “mas Lager não é um tipo de cerveja mais leve?”. Preciso dizer que não, e se você ainda não ouviu aquela frase “toda Pilsen é uma Lager, mas nem toda Lager é uma Pilsen”, mantenha o foco aqui para entender que o universo das Lagers vai além daquela breja “basiquinha”.
Lager, na verdade, é uma família de cervejas, dentro da qual há estilos mais claros ou mais escuros, fortes ou mais fracos, mais doces ou mais amargos, mais ou menos aromáticos e assim por diante. E a Bock reúne muitas dessas variações em subestilos que foram sendo criados ao longo dos anos a partir da sua popularização.
Doppelbock: o que há de diferente da Bock para a Doppelbock é apenas o “duplo” do nome, porque esse estilo não tem, de fato, o dobro da graduação original. O ABV (teor alcoólico) das cervejas tende a ser mais de 7%, porém não é tão aparente, devido ao suave sabor do malte. Na cor, pode variar do âmbar escuro para marrom escuro, apesar de que há algumas versões mais claras. O aroma prolonga-se ao paladar, sedoso, sustentado pelo amargor suficiente para evitar que o malte doce fique enjoativo. A Doppelbock tem ligação com a quaresma, período em que os monges da Ordem dos Mínimos faziam jejum de alimentos sólidos. Para ficar de pé, eles aproveitam seu conhecimento em produção de cerveja para fabricar brejas mais encorpadas e nutritivas. Essa bebida que salvava os clérigos da fome, por motivos óbvios, foi batizada de Salvator, “salvador” em português. Ela começou a ser disponibilizada ao público em 1780 e até hoje é produzida pela cervejaria Paulaner, sendo a maior referência da categoria.
Eisbock: a pronúncia é “ice-bock” porque “Eis” em alemão significa gelo. Esse estilo surgiu no povoado de Kulmbach, na Alemanha, na década de 1890. As histórias contam que ela foi criada por acidente, quando um “estagiário” da cervejaria Reichelbräu acabou deixando o barril de cerveja Bock no pátio do local, sem proteção, sob o terrível frio que fazia naquele ano (então já imagina o resultado, cerveja congelada). Atualmente, esta cerveja geralmente começa como uma cerveja Doppelbock, que então é congelada o suficiente para que a água se cristalize e se separe do álcool, sobrando assim a essência da cerveja que é drenada, produzindo uma cerveja de cor marrom-escura e reflexos rubis, um tanto quanto doce, muito alcoólica e praticamente sem amargor.
Helles Bock: essa é a versão mais clara e refrescante das Bocks, produzida no inverno para ser consumida na primavera europeia. Por ser mais refrescante, ela possui uma carga maior de lúpulos, fazendo com que apresente um aroma herbal e floral, assim como amargor mais elevado. É agradável de beber, normalmente traz equilíbrio entre sabores maltados, que remetem a panificação, biscoito e certo dulçor. Mas, cuidado: o teor alcoólico geralmente surpreende!
Weizenbock: em suma, ela é a variação do estilo com a adição de trigo, tendo sido criada em 1907 na Schneider Weisse Brauhaus, em Munique. Assim como a Bock, a Weizenbock também conta com versões claras e escuras, onde as versões claras são ligeiramente douradas a ligeiramente âmbar claro, e as versões escuras têm âmbar escuro ou marrom-rubi escuro, vale lembrar que nas versões mais claras, é possível encontrar malte ao pão e ao tostado, enquanto nas versões escuras há uma riqueza maltada mais profunda.
As cervejas do estilo Bock dão destaque para o malte e costumam ser fortes, embora sejam da família Lager, ou seja, são bebidas de baixa fermentação, processo que permite à cerveja ter uma sensação na boca mais macia, licorosa e que tenha uma profunda característica de malte. Os aromas e sabores possuem intensas notas de caramelo e toffee, além do tostado do pão. Outra característica presente em brejas maltadas é o dulçor que de uma ou outra forma se faz aparente em algum momento. No caso das Bocks, de maneira geral, esse adocicado aparece logo no primeiro contato do líquido na boca. O curioso é que isso muda ao finalizar o gole, pois o estilo costuma apresentar final seco. O que é interessante, pois dá a sensação de que sua garganta está pedindo o próximo gole! Além disso, em geral, ela possui um amargor sutil, mas que pode chegar a ser moderado, e isso significa que ela é pouco lupulada. O lúpulo aparece neste estilo somente o suficiente para dar equilíbrio ao dulçor oferecido por sua base maltada e evitar que a breja fique enjoativa. Produzir essa cerveja é um desafio e tanto para os mestres-cervejeiros, porque se errar a mão no lúpulo para mais, há um risco de ficar fora da proposta do estilo, porém se errar para menos, a cerveja fica difícil de beber devido ao dulçor muito pronunciado. Na cor, por sua vez, varia do âmbar ao marrom-escuro, embora também existam exemplares mais claros, como a Helles Bock que se aproxima do dourado. Por fim, você percebeu que esse é um estilo maltado, certo?! E esse é o motivo dela ter o teor alcoólico que normalmente varia de 6% a 7,5%. Portanto, é bom ter cuidado na hora de embalar nos goles e abrir várias delas seguidas!
COPO SUGERIDO:
Pokal e Snifter
TEMPERATURA IDEAL:
De 2 a 4°C
Se você pretende ir à Alemanha, precisamente à Düsseldorf, vale a pena fazer um tour nos quatro principais brewpubs da cidade: Zum Schüssel, Im Füchschen, Ferdinand Schumacher e Zum Uerige. Todos eles produzem ótimas versões da Alt, mas se a preferência for para tomar uma cerva premiada, vale ir ao famoso Zum Uerige. Além da breja premiada, você irá notar o quanto os moradores de Düsseldorf são fiéis às suas Altbiers.
Esse estilo geralmente é servido em um tipo de copo específico, tendo formato cilíndrico curto. Sua capacidade é de aproximadamente 300 mL e a boca é estreita para facilitar a concentração dos aromas e potencializar a formação de espuma. Esse modelo é conhecido como Stange ou Cilíndrico, assim como sua aparência.
Uma outra alternativa para se deliciar com uma bela Albier é usar a taça ISO, um modelo “coringa” que pode ser usado para qualquer estilo de cerveja. Geralmente, ela apresenta corpo arredondado, curto e “reto”, pensado para liberar os aromas de maneira controlada e realçar a aparência da bebida.
Temperatura, copo e serviço apropriados são de suma importância na hora de apreciar suas cervejas, pois servir uma breja de forma errada pode comprometer o prazer que ela tem potencial de entregar.
Pode parecer bobagem falar que cada estilo de cerveja tem um copo e uma temperatura ideal para servir, mas não é, embora você não precise apenas beber um estilo no copo criado para ele. A ideia não é deixar de beber, mas sim apreciar ao máximo o líquido sagrado!
Embora alguns estilos tenham seus rituais, com a Bock você não tem muito com o que se preocupar, já que ela não pede nenhuma técnica especial para ser servida. O processo é o seguinte:
1. Comece com o copo inclinado, o que diminui a turbulência e a velocidade do líquido, evitando a formação indevida de espuma e diminuindo a volatilização dos aromas;
2. Quando o copo estiver enchido pela metade ou um pouquinho mais, é hora de elevá-lo lentamente enquanto continua servindo o líquido até que o copo esteja reto, formando uma espuma de aproximadamente 1 a 2 cm;
3. Pronto: agora é só se deliciar com a sua breja!
E por falar em copo, você pode usar um modelo muito versátil para servir cerveja desse estilo: o Pokal. As Bocks, Doppelbocks e Eisbocks possuem aromas que se destacam por notas sutis do malte, como caramelo, amendoado e até chocolate, mas nada comparado com os aromas complexos ou intensos das cervejas belgas. O Pokal, com o corpo de largura intermediária e a boca um pouco mais estreita, ajuda a preservar e amplificar esses aromas delicados, além de permitir a correta formação da espuma.
Outra opção de copo para degustar as versões mais fortes da Bock é o Snifter. Ele é utilizado para cervejas com alto teor alcoólico e é conhecido como a “Taça de Conhaque”, tendo corpo arredondado e a boca estreita para reter os aromas mais intensos comuns em brejas mais encorpadas e fortes. Esse formato permite agitar a cerveja em movimentos rotativos leves e aquecer a bebida envolvendo as mãos para que exale os aromas voláteis.
É preciso evitar o contato direto do gargalo do recipiente (garrafa, lata, torneira de chopp, keg, etc.) com o copo, pois isso pode transmitir partículas de poeira, sabão, entre outras impurezas para o líquido, o que pode influenciar na formação da espuma. Além de utilizar copos limpos e sem gordura, é importante estar atento à temperatura de serviço. Cerveja muito gelada amortece as papilas gustativas, prejudicando a percepção do sabor.
Cada estilo necessita de uma temperatura adequada, por isso é preciso procurar o equilíbrio, uma vez que se a temperatura for muito baixa acaba destacando secura, amargor, carbonatação e refrescância, porém reduz a percepção dos aromas, sabores e corpo. Em contrapartida, se a temperatura for mais alta, realçam o corpo, aroma, doçura, acidez e sabor. Confira as sugestões de temperatura para as Bocks:
Bock tradicional: de 8 °C a 12 °C.
Eisbock e Doppelbock: de 13 °C a 15 °C.
Helles e Weizenbock: de 6 °C a 8 °C.
brownie
carne assada
chocolate
A técnica de harmonização de cervejas consiste em combinar da melhor forma os elementos sensoriais da cerveja e do alimento. Nessa etapa o objetivo é para que a experiência da degustação dos dois universos seja melhor do que quando eles são consumidos separadamente, e quando possível até mesmo chegar a um terceiro sabor, criado a partir dessa união. As Bocks e suas variações são versáteis para harmonizar, porém sugerem preparações um pouco mais complexas em sabores para valorizar suas características, o que não significa que elas sejam mais difíceis de preparar. Éramos acostumados a ver harmonizações entre vinhos e chocolates, já tradicionais e conhecidas pelos apreciadores da gastronomia. Mas outra combinação que vem agradando e, muito, o paladar dos consumidores é a de chocolates com cerveja. E as Bocks podem fazer um saboroso dueto com o cacau! A ideia aqui é tentar unir a intensidade de ambos. Por exemplo, uma Doppelbock com chocolate ao leite 45%: esse é um tipo de chocolate com teores elevados de cacau que harmoniza muito bem com uma Lager forte e adocicada. Nem precisamos comentar que ela vai muito bem com sobremesas, especialmente aquelas com base de chocolate.
Como você já deve ter percebido, este estilo é excelente para o inverno, embora possa ser apreciado em qualquer outra estação do ano, pois também combina muito bem com pratos leves como saladas em suas variações menos intensas.
As versões mais potentes das Bocks ainda harmonizam com pratos mais fortes como carne suína (e, diga-se de passagem, é uma excelente opção de jantar) e cordeiro. Para fazer uma boa harmonização de cervejas deve-se prestar atenção em algumas diretrizes que podem ajudar na busca da melhor combinação:
1. De início, é essencial ficar atento à intensidade, pois as cervejas fortes devem ser harmonizadas com pratos intensos, e cervejas leves com alimentos igualmente sutis.
2. Depois, há basicamente duas formas de combinar os aromas e sabores: semelhança ou contraste:
A. Semelhança: o ideal é procurar na bebida e no alimento elementos parecidos. Eles geram uma combinação justamente por serem próximos, como o aroma do chocolate e de algumas cervejas escuras que remetem ao cacau.
B. Contraste: aqui busca-se elementos que contrastem, gerando efeitos sensoriais de atenuação ou incremento de sabores, que é o caso da doçura de um brownie de chocolate e o sutil amargor das cervejas de malte torrado.
A dica final é experimentar várias combinações e, claro, levar sempre em conta o seu gosto pessoal. Acredite: a melhor e mais deliciosa forma de aprender é na prática!
Impressão Geral: Uma maltada lager alemã escura, forte, que enfatiza as qualidades ricamente maltadas e um pouco tostadas dos maltes continentais sem ser doce no final.
Aroma: Médio a médio-alto aroma de malte, com notas de pão, a maioria com quantidades moderadas de produtos de Maillard e/ou matizes tostadas. Praticamente não tem aroma de lúpulo. Um leve álcool pode ser evidente. Limpo caráter lager, embora os maltes possam proporcionar um leve (baixo a nenhum) caráter de frutos negros, sobretudo nos exemplares envelhecidos.
Aparência: Cor cobre suave a marrom, a maioria com reflexos de tom granada atraentes. O acondicionamento e maturação em temperaturas baixas (lagering) deve proporcionar uma boa limpidez apesar da cor escura. Espuma em tom marfim grande, cremosa e persistente.
Sabor: Maltado rico e complexo, dominada pelos produtos de Maillard ricamente tostados. Algumas notas de caramelo podem estar presentes. O amargor de lúpulo é geralmente só o suficiente para o balanço com os sabores de malte, o que permite perceber um pouco de dulçor no final. Bem atenuada, não enjoativa. Perfil de fermentação limpo, ainda que o malte possa proporcionar um caráter leve de frutos negros. Sem sabor de lúpulo. Sem carácter torrado ou queimado.
Sensação de Boca: Corpo médio a médio alto. Carbonatação moderada a moderadamente-baixa. Algum calor alcoólico pode ser percebido, muito sutil, nunca deve ser quente. Macia, sem asperezas ou adstringência.
Estatística Vital:
OG: 1064-1072
FG: 1013-1019
IBU: 20-27
SRM: 14-22
ABV: 6,3-7,2%