Westvleteren – Surpresas do destino cervejeiro
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Com a graça dos deuses cervejeiros, tive duas oportunidades de visitar a Abadia de Saint-Sixtus de Westvleteren, mas a primeira vez é sempre inesquecível. O monastério é produtor dos misteriosos e inacessíveis rótulos trapistas que levam o mesmo nome do mosteiro e, como todos sabem, só podem ser adquiridos na própria abadia, mediante reserva antecipada, ou na loja, se tiver sorte. E, claro, meu objetivo principal da visita era conseguir trazer para casa algumas Westvleteren XII, considerada por alguns anos e por muitos cervejeiros a melhor cerveja do mundo. Antes da viagem, ainda em terras tupiniquins, tentei diversas vezes ligar (na época ainda não existia o sistema online) para tentar reservar, mas sem sucesso: ou ninguém atendia ou dava ocupado.
Em solo belga, nos hospedamos em Bruges para a missão. Quinta-feira chuvosa e fria, levantamos bem cedo e rumamos para Vleteren. Como não consegui fazer a reserva das cervejas, a ideia era chegar cedo no In de Vrede – restaurante da abadia – para pegar a loja abrindo. Os monges de Westvleteren não fazem da cerveja um negócio, então não é sempre que tem cerveja à venda na loja, até porque a maior parte é vendida mediante reserva. Ou seja, você precisa mesmo de um golpe de sorte para pegar as poucas cervejas que vão para a loja.
Além disso, chegar na abadia não é uma tarefa tão simples. Ela fica bem escondida e tive que encarnar o Indiana Jones da cerveja, passando pelo meio de algumas fazendas, sempre com a impressão que estava entrando em alguma propriedade particular.
Com 10 minutos de antecedência estava eu na porta do In de Vrede. Assim que abriu, fui direto para a loja onde deveriam estar as cervejas à venda. Deveriam. Apenas deveriam. Havia um cartaz: “Today we have no beer for sale”, ou seja, não havia nenhum dos rótulos à venda naquele dia. Foi como um balde de água fria, ou de cerveja quente e choca. Ainda perguntei se no dia seguinte haveria a possibilidade de chegar, mas a atendente disse que provavelmente não, pois a abadia não estava com programação de entregas. O desânimo tomou conta.
Eram 10 da manhã, estava nublado e garoando e eu não tinha nenhuma Westvleteren na mão. O jeito foi se contentar com um 4-pack de taças e tirar algumas fotos no entorno do monastério, que é totalmente fechado para visitação dos pobres mortais. Aproveitei a janela de tempo até o almoço e fui visitar a St. Bernardus, distante 15 minutos dali. Por incrível que pareça naquele momento a St. Bernardus ficou com sentimento de prêmio de consolação. Injuriado que estava, enchi o carrinho na loja deles, com destaque para uma St. Bernardus ABT12 Oak Aged, que é a versão da tradicional quadrupel maturada em barris de carvalho.
Chegado o horário do almoço, voltei ao In de Vrede, pois pelo menos queria degustar as beldades – lá sempre vai ter todas as cervejas para degustação no local. E assim fiz a famosa tríade, nesta sequência: Westvleteren Blond, Westvleteren 8 e Westvleteren 12. As cervejas são realmente magníficas e é difícil entender até que ponto todo o mistério contribui para uma experiência ainda mais saborosa. Cada gole era uma vitória. Para forrar o estômago cervejeiro, pedi um sanduíche aberto com queijo e patê também feito pela abadia. Para finalizar, o famoso sorvete feito com a cerveja da casa e que, de longe, é o melhor que já provei na vida.
Foi um misto de satisfação com indignação. Finalmente estava tomando as tão sonhadas Westvleteren. Por outro lado, a todo momento o garçom abria uma enorme geladeira abarrotada com todos os rótulos de Westvleteren. Perguntei se eu poderia comprar para levar, mas não era permitido. Do outro lado da rua, o drive-thru estava aberto, entregando os lindos engradados de madeira para quem conseguiu reservar. Tudo tão perto, mas tão longe.
Sai do In de Vrede apenas com o 4-pack de taças. Feliz, mas chateado. Realizado, mas só pela metade. Antes de ir embora, demos mais uma volta ao redor da abadia e, num ato impensado, pedi para minha esposa, parceira de cervejas e motorista da rodada, entrar no drive-thru das reservas. O monge que fazia as conferências e entregava os engradados achou estranho, porque a placa do carro não estava na sua lista de reservas. Ele, muito solícito, informou que não localizou a placa do carro. Foi então que, numa cena no melhor estilo gato de botas cervejeiro, expliquei que vim do outro lado do planeta em busca da Westvleteren e seria realmente muito triste ir embora sem levar algumas garrafas de recordação. O monástico ficou mesmo tocado com a minha saga e vendeu o último 6-pack da Westvleteren 12 que, por algum motivo, não tinha ido para a loja. Era como se o destino cervejeiro tivesse reservado aquelas garrafas para mim!
E assim voltei para Bruges: com quatro taças, seis garrafas da espetacular e mais icônica cerveja trapista e o sentimento que se tivesse sido diferente não teria sido inesquecível.
Bélgica sendo Bélgica. Santé!
Le Trappiste – De volta à Bruges Medieval
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